Mas, a vida é uma caixinha de surpresas...
Eu estava sentado na calçada da casa da fazenda quando uma das figuras mais interessantes da minha infância puxando um cavalo cinza pelo cabresto e com uma esteira na outra mão me fez um convite:
- Zé, vamos dar banho no potro?
Impossível resistir! O filho de um vaqueiro é praticamente um encantador de animais. Talvez seja a única criança que não tem medo de cavalos, bodes, bezerros, vacas e touros! Ele é praticamente o cowboy Campeão de Barretos!
Rumo ao rio, ele fez o que mandava o protocolo (maldito seja o protocolo!), me entregou o cabresto do potro e me deixou guiar o animal feliz da vida. Chegando lá, muita brincadeira, banho no cavalo, um sol terrivelmente escaldante e, o principal, uma fome absurda. Quem já passou a manhã em um banho de rio sabe do que estou falando, gera mais fome que passar a manhã erguendo um muro de 4 tijolos de largura.
Resolvemos voltar, e ao me ouvir reclamar da fome:
- Vai montado, rapidinho tu tá em casa. Deixa o cavalo amarrado que eu pego quando passar.
Parêntese (Desde a mais tenra idade eu passei minhas férias no interior. Sendo assim minha milhagem em tração animal era algo de impressionar. Nunca fui um cavaleiro elegante, mas em geral sempre fui obedecido nos comandos de parar, virar, acelerar e frear. Então, meu erro de avaliação foi natural e imediato) Parêntese fechado, voltemos...
O cavalo era jovem, estava molhado, estava apenas com um cabresto de corda e estava apenas com uma esteira (sim, estava sem sela; não, eu não sou masoquista).
Acho difícil imaginar algo mais escorregadio do que o dorso de um cavalo molhado, mas vou sugerir algumas analogias:
- Chão de banheiro cheio de xampu derramado;
- Calçada de ladrilho com óleo de cozinha espalhado;
- Grama molhada com azeite extravirgem;
Desisto, o dorso do cavalo ganha fácil...
De posse de todos estes dados (mas provavelmente desprovido de atividade cerebral relevante em função dos baixos níveis de glicose), eu dei uma resposta incrivelmente rápida:
- Me ajuda a montar!
Não sei se foi algum duende maldito, alguma praga de saci-pererê, se o curupira montou na garupa ou se o cavalo era primo da mula-sem-cabeça. Só sei que a aceleração desse desgraçado superou fácil o de uma Y2K.
Imaginem um caminho estreito, imaginem um túnel feito por árvores baixas e arbustos espinhentos, imaginem algo bem fechado...pois é, eu não sei como, mas passei ileso.
Seria melhor ter caído. O início desse caminho era uma subida entre essa mata de galeria fechada da beira do rio, depois que passamos por esse trecho veio uma reta de mais ou menos uns 2 Km com direito a passar em frente a casa da fazenda tão rápido que meu pai exclamou ao ver aquele vulto:
- Nossa, aquele ali vai meio apressado! - ele não me reconhecera (!)
Quando estamos em um momento como esse dizem que vemos uma espécie de túnel como se fosse uma passagem entre esse mundo e um outro (por que isso foi uma EQM!!!). Mas o certo é que eu nem vi nem ouvi nada, lembro que o único pensamento racional que me veio foi, ao passar pelo campinho de futebol onde jogávamos (era de areia), "será que se eu me jogar eu quebro só um braço ou uma perna?". Não deu tempo de tomar a decisão, em um picossegundo, o miserável do cavalo que a essa altura devia beirar mach 3 fez uma curva fechada em direção ao curral (atrás de sua comida ?) e me deixou na linha de impacto do trave do campo de futebol grande.
Senhores, eu bati na trave. Não, o trave não era de ferro (ufa, ainda bem que o lugar era atrasado) era feito do tronco de uma palmeira conhecida como Carnaúba. O travessão caiu, eu caí (oh!) e minhas férias acabaram com uma fratura de quadril e de um dedo.
Um pequeno mapa ajudaria a visualizar meu progresso:
Não sei até onde ouviram o barulho, mas eu apaguei e fui carregado de volta para casa na garupa de uma bicicleta.
Quando isso acontece nas férias, ninguém pede redação...
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